Kat usava um lindo vestido vermelho. Cor da realeza.
Estávamos em uma igreja – O lugar perfeito para se comemorar o aniversário de um demônio.
O silêncio reinava quase absoluto, a exceção dos passos de Kat que soavam obscenamente altos em um lugar tão puramente silencioso. Kat esperou até que a última pessoa foi embora, então fez um sinal para que eu a acompanhasse até o altar.
- Você faz 16 anos hoje. – Ela disse, se inclinando na direção de um crucifixo e fazendo o sinal da cruz.
Kat tinha essa mania irritante de ser respeitosa com sinais religiosos. Por mais que não tivesse tanta fé neles (“Deus existe, mas objetos com o poder dele, não”) tinha admiração pelas pessoas que destruíram vampiros brandindo-os. Eu não me dignava a isso.
– Isso significa que você atingiu a idade adulta e não vai mais envelhecer. – Continuou - Esta será sua aparência para sempre.
- Eu já sei de tudo isso, Kat. Para que toda essa solenidade?
Ela se sentou em um dos bancos da igreja, a cor do vestido chamando atenção contra a pele pálida.
- Como um adulto, você pode tomar suas próprias decisões. Pode escolher entre ir embora ou ficar.
A frase fez um fio de gelo percorrer meu corpo.
- Por que eu iria embora? Você, Ellie, Sophie... São tudo que eu conheço. Minha família.
Ela abriu um sorriso discreto.
- Eu sei, mas talvez você queira conhecer mais e não há muito que eu possa fazer sobre isso. Você não é do meu sangue, Pierre. Nada o prende a mim. Eu preciso de provas de sua fidelidade.
Ajoelhei-me à sua frente colocando as mãos sobre seus joelhos, como pedindo uma benção.
- Qualquer coisa! Diga qualquer coisa e eu farei.
Ela levantou os olhos e apontou para a tela que estava exposta bem à sua frente. A Família Real. Apontou com a unha para uma garotinha, na imagem um bebê com olhos verde oliva, que podia ser uma representação malfeita da própria Kat.
- Quero que conquiste a mais jovem arquiduquesa da Áustria-Hungria.

As Crônicas de Kat:
Nosferatu

Este capítulo exigiu complicada pesquisa. Quase nada do que está descrito aqui foi documentado, pelos mais diversos motivos. Muitas entrevistas foram necessárias para que uma narrativa coerente conseguisse ser montada; e ainda assim, detalhes importantes permanecem omissos e possivelmente só poderão ser contados em outros capítulos.

Relato a caminho da Romênia
1873
- Eu nasci para ser um sacrifício. Minha mãe garantiu que tudo na minha vida fosse preparado para que eu fosse nada além de um perfeito sacrifício. Imaculada. Katerina.
“O único problema é que eu era mais poderosa que o esperado. Eu conseguia aprender os feitiços mais complicados desde bebê. Costumava passar noites e mais noites na floresta, brincando com os elementos. Os espíritos falavam comigo o tempo todo e se tornaram meus melhores amigos.
“E com muito poder, é claro, vem muita vaidade. Eu sabia que era um sacrifício. Eu sabia do meu destino final. Eu só tinha nascido para aumentar o poder da minha mãe. Mas não estava disposta a abrir mão da minha vida pelos poderes dela.
“Comecei a alimentar sonhos. O único lugar que eu conhecia era Graz e eu odiava Graz. Tudo era tão devagar. A única animação acontecia quando a família real visitava a cidade, o que só aconteceu uma vez enquanto eu ainda era viva. E eu nem morava em Graz, eu morava em uma cabana nos arredores. Eu queria conhecer o mundo e ver até onde teria poder nele.
“Inocentemente, contei para mamãe isso tudo. Esperava que ela desistisse de seus planos ao saber minhas aspirações. Claro que eu não sabia do tamanho dos planos dela. Ela pretendia muito mais do que simplesmente me matar. E para isso pretendia me colocar em meio à guerra de duas das maiores forças do universo, enganando a Morte no processo.”

Viena, Áustria
1º de novembro de 1880
Diário de Kat
Eu nunca tive uma chance real de conhecer o país onde eu nasci. Fiquei presa naquela cabana até os 10 anos e depois fui mandada para a Romênia, só conseguindo pensar por mim mesma na década de 50, quando fui para a Rússia. Logo, a única parte da Áustria que eu conheço é Graz, cidade que nem se equipara a grandeza de Viena.
Viena é uma cidade cheia de vida e cheia de verde. É como qualquer capital do mundo, cheia de pessoas com pressa, cheia de histórias e de uma energia pulsante mágica que me deixa encantada... Mas deixa Ellie sutilmente entediada.
- Não é como Paris. – Ela disse de dentro do cabriolé, arrumando as meias e ajeitando o vestido. – E é mais frio.
- E cheio de pessoas gritando nessa língua estranha. – Pierre concordava, fazendo uma careta.
- É esloveno. – Respondi com o rosto colado na janela, observando a rua – Mas não se preocupe, a maioria das pessoas fala alemão.
- O país não tem sequer uma língua oficial. – Sophie comentou de lado.
Eu bufei.
- Se gostam tão pouco da Áustria deveriam ir para outro lugar!
Eu sabia que os três pares de olhos me encaravam de seus lugares, mas nem me dei ao trabalho de olhá-los.
- Nós não vamos a lugar nenhum sem você, Kat. – Sophie disse serenamente, depois de um tempo.
- Eu não estou forçando ninguém a nada. Não deveriam ficar aqui contra sua vontade.
Então o cabriolé parou, na frente do palácio. Aparentemente, a família real tinha saído a passeio e agora voltava para casa, saudando os súditos e por isso causando um caos na rua. Eu coloquei a cabeça para fora da janela e encarei o cortejo.
Foi ali que eu a vi, pela primeira vez. Não havia como não reconhecer aqueles olhos doces. E as engrenagens de meu cérebro começaram a funcionar.

Continuação do relato a caminho da Romênia
1873
- A Morte? – Ellie perguntou cruzando os braços - Isso não é loucura?
- Com certeza. – Sophie diz balançando a cabeça - Mas deu certo, não foi?
Kat, Sophie, Pierre e Ellie, estavam acampados no meio de uma floresta seguindo sul da Europa. A Romênia era a primeira parada. O lugar mais lógico onde Kat poderia ir para descobrir como se livrar de uma maldição.
Kat não respondeu à pergunta diretamente. Continuou olhando para a frente, com os olhos sem foco.
- Existem 3 forças supremas no universo: o que é divino, o que é mortal e o que é maldito. O divino é comandado por Deus. O que é mortal pela Morte. E o que é maldito pelo Inferno. Deus é o Rei de todas as coisas, mas a Morte e Lúcifer sempre lutaram para saber quem tinha mais poder. E a Terra é um ótimo campo de batalha.
“Por isso os seres como os vampiros foram criados, para negar à Morte o que ela tinha por direito. Uma forma de mandar almas direto para o Inferno, sem intervenção da dona Morte. A Morte contra-atacou deixando as criaturas “imortais” com as fraquezas mais estúpidas. Quer dizer, madeira? Você só pode estar brincando comigo.”
Nesse ponto, todos riram, menos Pierre que estudava Kat com os olhos azuis cheios de uma seriedade sábia demais para a sua idade. Foi com um arrepio na espinha que Kat se lembrou que ele era um demônio. Ele pertencia a um lado.
- Como você sabe disso tudo? – Sophie perguntou, quando parou de rir, trocando o olhar entre os dois.
- Hmmm.. Lembram que eu disse que os espíritos costumavam conversar comigo? Digamos que eram os espíritos dos dois lados.

Viena
1º de novembro de 1880
Diário de Anika
Chegamos a Viena. Que cidade linda! Não imaginava que pudesse ser tanto. Mamãe está certa, a união com a Áustria faz da Hungria mais bonita.
Estou instalada num quarto enorme, anexo de Valerie, para ficar mais acessível a seus desejos noturnos. Valerie pareceu bem menos deslumbrada que eu em relação a Viena, mas lembrei que ela vem até aqui com mais frequência e já conhece a cidade. Eu não vinha Viena desde que nasci.
Quando me lembro que nasci nesse castelo fico assustada. Observo os detalhes de ouro nas paredes de Schönbrunn (um dos castelos da família imperial em Viena) quase sem fôlego. Existe uma espécie de força emanando desse lugar, que me faz com que eu o respeite. Não consigo explicar. Só sei que adoro cada parte disso.

9 de novembro
Diário de Kat
- Valerie?
Eu observei o choque no rosto de Pierre, indiferentemente.
- Ela mesma, eu a vi chegando da Hungria para as festas na semana passada.
- Todos nós a vimos. Só se fala sobre isso, mas ela é uma garotinha.
Eu me levantei e comecei a andar pela igreja. Pelo vitral fino, eu conseguia ver o palácio. Eu quase conseguia sentir o coração dela batendo lá dentro. Desesperado para ser parado.
- Ela tem 12 anos. Eu fui transformada aos 10!
- Mas ela é uma princesa!
- Arquiduquesa. E só por ser da família real ela tem mais direito de ter uma infância do que eu tive?
Não me arrisquei a olhar para Pierre. Eu conseguia medir seus sentimentos pela respiração. Ele estava confuso. Não queria me dar motivos para desconfiar dele, mas eu sabia que estava em conflito sobre quem era.
Também estava com medo. Medo de sair das sombras e finalmente fazer algo grande que mudasse sua vida, além de mudar a história. E era por isso que eu o estava testando. Ele precisava disso. Se quisesse continuar no grupo, não poderia ter medo de nada. A simples palavra me causava asco.
- É realmente isso que você quer que eu faça?
Finalmente me virei.
- Não pediria se não fosse sério.
Ele fechou os olhos e esfregou a testa, como se tivesse com dor de cabeça. Quando os abriu novamente, o azul intenso capturou meu olhar com toda a força.
- Então eu farei.                                         

Continuação do relato a caminho da Romênia
1874
- Podemos continuar com a história? - Sophie perguntou em outra noite em que eles pararam para descansar.
Kat havia protelado aquilo ao máximo. Impediu paradas sempre que podia e quando era obrigada a parar saía para caçar. Quando era confrontada pedia para esperarem até que finalmente chegassem ao país seguinte. Conseguiu enganá-los por um bom tempo, mas não podia mais evitar. Kat não gostava muito de quão próxima estava de sua mãe naquele momento.
- As sombras apareceram na noite em que eu fiz 2 anos. Mamãe comemorou me ensinando um ritual de invocação. Eu mal sabia falar! Foi como se os demônios ficassem presos na parede dali em diante. Eram 3 sombras enormes, em forma de homens gigantescos, que ficavam bem de frente à minha cama. Aquilo não me assustava, mas me deixava curiosa. Eu estava crescendo em meio a coisas desse tipo, mas era um bebê e bebês colocam as mãos em todos os lugares. Eu queimei as palmas inteiras ao tocar naquilo. Chorei por toda a noite, mas mamãe me ignorava. Considerando o quanto ela precisava da minha vida, ela era bem negligente.
“Só depois eu entendi que ela não tinha com o que se preocupar. Quando uma criança é prometida à Morte, ela faz um acordo de só tomá-la na hora certa. E juramentos da Morte jamais são quebrados, ou ela perde seus poderes, o que seria um caos na Terra.”
Kat fez uma pausa, pensando no que aquilo significava para a situação em que ela se encontrava no momento. A própria maldição à qual estava submetida era um acordo com a Morte. Seria muito difícil conseguir se livrar daquilo.
Balançou a cabeça para voltar a se concentrar na história.
- Foi só quando eu fiz uns 6 anos que as sombras começaram a falar comigo. Primeiro, através de sonhos, depois elas se moviam e o som saía delas naturalmente. Eu apenas ouvia e não contava nada a mamãe, era meu dom e meu segredo.
“A Morte acreditava que eu era prometida a ela e eu posso garantir que ela não gostou nadinha da minha amizade com demônios. E foi aí que os espíritos da floresta me trouxeram mensagens ameaçadoras e também contaram para minha mãe sobre essas visitas.
“Eu só tinha 6 anos, e eles me transformaram em uma arma que atacava os dois lados, o ideal para que o plano de mamãe continuasse dando certo.”

12 de novembro de 1880
Diário de Kat
Arrumamos uma casa mais ou menos luxuosa em Viena. Só precisamos hipnotizar um conde viúvo e sem filhos fazê-lo dizer aos vizinhos que estava partindo para a Rússia e vendendo sua casa e então matá-lo.
O plano de Pierre era “chegar” a Viena como um duque francês qualquer e suas três irmãs – apesar de Sophie não se parecer nem um pouco com ele - e esperar ser chamado à corte. Mal sabia o coitado que se houvesse mais um duque na França, a corte saberia, já que a mãe do rei – que também se chamava Sophie – era amiga íntima do último rei da França. Isso o frustrou bastante.
Tem outra coisa que bagunça o plano dele: Eu e Sophie iremos para Graz em dois dias.
- Para Graz? – Ellie disse, se levantando abruptamente do sofá onde descansava - Mas por que?
- Eu tenho contas para acertar na cidade. – Disse a olhando com intensidade.
Ellie sabia o que eu queria dizer, mas não ficou satisfeita.
- Por que Sophie? Por que não eu? Eu quero ir para Graz!
- Porque Sophie pode atacar alguém protegido por um acordo com o Inferno sem medo de consequências.
Nesse momento, Sophie entrou na sala, vinda de algum lugar. Ela não gostava nem um pouquinho de ser usada como arma, mas queria ajudar. Olhou para a Ellie frustrada de mãos para cima e o rosto começando a ficar vermelho. Conversaram por olhar por alguns segundos e então Ellie suspirou.
- Eu me sinto a menos útil do grupo.
Eu dei um salto e a segurei pelo pulso.
- Nunca, sobre hipótese alguma, repita isso outra vez Eleanor.
Ela baixou o olhar altivo até o meu. Eu nunca a chamava de Eleanor. Ninguém nunca a chamava de Eleanor. Eu usei o nome para soar séria, mas aos ouvidos dela não produziu muito efeito. Ellie é intensa. Se ela pudesse sentir, teria arrancado minha cabeça em um ataque de fúria mais ou menos 15 anos atrás.
- Que seja. Eu fico aqui hipnotizando princesas.
Eu soltei seu pulso.
- Tecnicamente, ela é uma arquiduquesa. E você não vai hipnotizá-la. Pierre tem que fazer tudo sozinho. E garanta que ele não use tortura. Você irá fazer outras coisas para mim, em relação às damas de companhia. Elas podem ser um empecilho à conquista de Valerie.
- As damas de companhia, certo. Mais um trabalho medíocre.
Eu podia sentir a frieza de Ellie começando a dominar a sala. Me sentei ao seu lado e expliquei os detalhes do plano que eu tinha para a corte austríaca. Ela não voltou a olhar para mim.
- É, claro. Não importa. Todos sabemos que no final eu vou seguir suas ordens – Ela disse a palavra literalmente rosnando - e vamos terminar com outra vampira se unindo ao grupo feliz.
Então saiu da sala, se transformando em morcego com um bater de asas alto.
- Ela ficou tão irritada quando você queria me transformar? – Sophie perguntou, se sentando onde Ellie estava a princípio.
Eu olhei em seus olhos.
- Não é irritação. Eu jurei que comigo ninguém, nunca mais, seria sobrepujado ou subestimado. Que como vampira ela poderia viver plenamente e ser poderosa. E ela não se sente assim, mas não pode deixar de ser leal a mim, então se afoga em sangue.
Sophie levou um momento processando.
- Kat... – Chamou, depois – Nós somos fiéis a você para sempre agora? Por causa do sangue?
- É claro que não! Fidelidade é uma escolha. Você decide se quer se manter comigo ou não. Mas nós somos vampiras e para vampiros o sangue importa mais do que tudo. Vocês se sentem ligadas a mim, mas podem se afastar assim que perderem a razão para continuarem leais.
- Então eu posso dizer não a seu plano se quiser?
Sophie agora olhava para as mãos no colo. Mesmo que ela tenha caçado para o grupo várias vezes, aquela era a primeira vez em que eu a colocava em algo grande. E mais ainda, no maior de todos os assassinatos.
- Existem formas de fazer isso sem você, Sophie. Mas eu a quero lá. É importante para mim que ela veja o que eu fiz, como eu fiz e quão poderosa eu fiz. Eu quero que ela veja que eu fui melhor que ela e que foi sendo melhor do que ela que eu a venci.
Ela levantou os olhos e fixou o azul violeta nos meus olhos, fazendo com que eles refletissem de uma forma caleidoscópica.
- Me diga o que eu preciso fazer.

Continuação do relato a caminho da Romênia
1874
Kat lançou um olhar a cada um dos presentes no grupo antes de continuar: Ellie encarava o tronco à sua frente, de forma distraída, como se a história não lhe interessasse. Mas Kat sabia que ela estava se roendo de curiosidade. Sophie não conseguia tirar os olhos do rosto de Kat, esperando. Por fim, Pierre encarava Kat com um olhar de raiva controlada e o maxilar cerrado. Estava escondendo alguma coisa e falar sobre demônios estava trazendo esse segredo à tona. E foi isso que fez Kat continuar:
- Um sacrifício geralmente é dedicado à Morte: um assassinato, à meia noite de uma noite de lua cheia ou nova, em troca de um feitiço vitalício. Esse sacrifício simplesmente morre, tem a alma entregue ao reino que pertença e o corpo começa a fazer parte da Danse Macabre.
“Mas existem sacrifícios especiais: Um sacrifício ao Inferno, uma espécie de tratado de poder em troca de uma alma. Um ritual bem mais complexo que só assassinato, não pode acontecer em lua cheia ou nova e precisa ser às três da manhã. O sacrificado não morre: tem a alma destruída e é possuído por um demônio que precise fazer algo aqui na Terra. O pai de Pierre, por exemplo, foi um sacrifício ao Inferno.”
O movimento foi instantâneo e simultâneo: ao mesmo tempo que Sophie virava o pescoço para Pierre, Ellie levantou os olhos para Kat. Pierre se assustou: caiu sentado sobre um tronco, tão desnorteado que deixou Sophie sem fala.
Ellie acusou Kat com os olhos. Não gostava de ser lembrada como tinha morrido ou dos dias anteriores a esse. Ela se lembrava da dor como se pudesse senti-la clara e intensamente. A lembrança constante de que o próprio Pierre causara aquela dor e podia fazê-la voltar, às vezes a deixava com vontade de matá-lo.
- Não diga que Alec era pai de Pierre. – Ela rosnou antes de voltar a sua frieza absoluta.
Kat resolveu continuar como se nada houvesse acontecido.
- É claro que nenhuma criatura em sã consciência escolheria ter sua alma destruída em um ritual horrível ao invés de só morrer e foi por isso que as sombras, como as mensageiras da peste que eram, prometeram que se eu fosse entregue como sacrifício a eles eu me transformaria em vampira.
"Entendam, eu nasci para morrer e de repente me sugeriam a vida eterna. Eu ficaria deslumbrada mesmo que não fosse uma criança de 6 anos. Contei então sobre isso a mamãe. Contei de minhas ambições. E ela, dançando conforme a música, fingiu que seus planos haviam sido criados naquele momento, e começou a me preparar para que eu me tornasse a maior vampira que eu pudesse ser.”
Mais uma vez, Kat observou sua audiência: Ellie brincava com um graveto, desenhando formas impossíveis de se entender à noite. Sophie voltara a observar Kat ignorando tudo ao seu redor. E Pierre tinha um olhar perdido, do qual Kat não gostava nem um pouco.
- Foram centenas de livros. Milhares de feitiços. Eu estudei mais história do que muitos universitários e aprendi mais feitiços que muitas bruxas centenárias aprenderam em toda a vida. E foi no meio desses estudos que eu achei um livro que não deveria achar:
“Era um desses livros grandes com capa de couro, onde bruxas escrevem seus feitiços e os resultados deles. Grimórios. Eu abri porque achei que fosse antigo e que eu precisasse estudá-lo, mas logo na primeira página vi a data de 1832, 2 anos antes do meu nascimento. Quando vi o nome de Jocelyn Petry que eu soube que tinha que ler aquilo.
“Assim eu descobri tudo: Todas as anotações de mamãe, que detalhou cada parte do meu nascimento para que eu fosse perfeita para seus planos. Desde a escolha de quem seria meu pai – um banqueteiro grazense que acabou sendo morto – e a escolha do meu nome – entre diversos outros que significavam a pureza da alma, Katerina estava sublinhado com uma tinta cor de sangue – até eventos cósmicos e feitiços que poderiam ser feitos naquela fase da lua. E principalmente o feitiço do qual eu não tinha a mínima ideia o de minha morte que estava marcada para o exato momento do meu aniversário de 10 anos: dia 9 de setembro de 1844, às 3 da manhã.
“Não a hora das bruxas e da Danse Macabre e nem ao nascer do sol quando muitos sacrifícios eram feitos. Mas 3 da manhã, a hora exata em que os demônios podiam subir à Terra. E foi aí que eu soube que os planos de mamãe sempre haviam sido completamente diferentes do que eu e a Morte imaginávamos. ”

Graz, Áustria
15 de novembro de 1880
Diário de Kat
São divergentes os sentimentos que eu tenho em relação a Graz e à cabana onde eu morava. Graz, que eu costumava odiar, agora parece uma cidade suave e elegante onde eu me sinto poderosa. Enquanto a cabana, me dá nos nervos. Especialmente quando vi o rastro de sangue em forma de um pentagrama no chão, em frente à cabana. Já faz 36 anos. Isso é nojento.
- Oi, mamãe! – Foi a primeira coisa que eu disse subitamente quando entrei pela cozinha e encontrei a tal fazendo comida.
O susto que ela tentou disfarçar foi tudo que eu precisava ver: o feitiço que dava minha localização para ela havia sido quebrado.
- Katerina! Veio para as festas?
- Com certeza eu espero ter algo para festejar até o Natal.
Jocelyn sorriu, já costumada com minhas ameaças. Eu a observei. Ela continua lindíssima, eternamente aos 28 anos, mesmo que já conte 64. Era isso que eu tinha lhe dado ao ser sua parte do acordo: ela teria juventude, beleza e poder ilimitado enquanto sua Katerina – seu sacrifício imaculado e inocente – estivesse trabalhando para o Inferno.
- Você sabe o que acontece quando se mexe com alguém protegido por sacrifícios, Katerina.
Ela balançou a mão. Sua mão esquerda estava cheias de feridas em um tom de roxo nojento, graças à primeira vez que tentou me matar depois que me tornei vampira. Iria ficar assim para sempre.
- Ah, eu sei sim, e essa é a questão. – Jocelyn ergueu a sobrancelha – Eu estou amaldiçoada. Acabei encontrando com a Morte na França há alguns anos e ela me cobrou o que foi tirado dela.
- E... ?
- Uma vida se paga com outra vida.

Fora de Bistriz, Romênia
Natal de 1874
Se Kat estava certa, o acampamento ficava a 2 quilômetros dali.  Era óbvio que ela não se aproximaria mais do que aquilo, mas precisava encontrar Deyah o mais rápido possível. Esperava no meio da floresta, na forma de gato, até que finalmente viu as sombras que se esgueiravam pela floresta e seguiu sua direção.
Os vampiros do grupo de Deyah, primeiro clã de Kat, eram como uma corte: se consideravam os reis dos vampiros. Eram 17 no total, de diversos países do mundo, mas todos haviam adotado a Romênia como lar. Micah, um dos primeiros vampiros, saiu em busca de vampiros brilhantes para reunir durante cinco séculos. Depois disso, ele tinha fama o suficiente para ser procurado. Só os mais poderosos e com mais prestígio no Inferno permaneciam ali. Por isso Jocelyn mandara a filha até a Romênia, para tentar se unir ao grupo. E Kat só precisou de 24 horas para saber que mesmo estando cercada de vampiros 10 vezes mais velhos que ela, a única que era realmente mais brilhante que ela era Deyah.
Deyah era uma das centenas de crias do primeiro vampiro, mas só dizia isso para os realmente próximos dela. Ela aproveitava cada segundo da vida para aprender coisas e naquele momento seu conhecimento era tão vasto que Kat sabia que mesmo sendo só uma vampira, ela era quase invencível. Deyah era também a única que não tentou matar Kat quando soube que ela tinha sido transformada por magia negra e até a ajudou a fugir desde que ela prometesse não voltar. E lá estava ela, quebrando a promessa.
O grupo estava saindo de Bistriz e indo em direção ao sul. Todos estavam animados e meio tontos depois de uma diversão natalina a la strigoi e por isso andavam. Kat se aproximou sem pressa e para chamar atenção de Deyah, enfiou uma garra nos pés brancos e descalços. A vampira xingou em romeno e olhou para baixo, arregalando os olhos escuros quando reconheceu Kat no gato.
Kat não esperou para ver o que ela faria: se virou em direção à floresta e começou a andar sabendo que seria seguida. Quando Deyah a alcançou em uma clareira Kat já tinha se transformado de volta e já estava vestida.
- Katerina! – Ela gritou com as mãos na cintura e um muxoxo estragando o rosto lindo.
O olhar dela dizia tudo e, apesar de tudo, Kat sorriu. Deyah tinha sua própria forma de fazer as coisas. Aquele rostinho lindo e inocente fazendo bico claramente significava “vou arrancar sua cabeça dentro de três segundos”.
- Deyah. Eu sinto muito por voltar, mas a situação é séria.
- É melhor ser.
Kat era uma grande defensora de explicações empíricas. Foi até a árvore onde ela tinha escondido o corpo semimorto de um homem qualquer e o puxou pelo cabelo até a clareira. Então cortou o pulso com uma pedra e deu a ele, antes de matá-lo, acabando com todo sangue que ele possuía.
- Não entendi seu ponto. – Deyah disse quando ela jogou o corpo de lado.
- Ele não vai voltar.
Deyah arregalou os olhos e se aproximou do corpo caído. De fato não havia nenhuma palidez surgindo rapidamente ou nenhuma mudança no estado do corpo.
- Você não pode mais transformar?
Kat balançou a cabeça. Tinha descoberto o que queria dizer “sangue amaldiçoado” havia 2 meses, quando Sophie pediu para que ela a ensinasse a transformar.
- Eu estou amaldiçoada. Fui mexer com um fruto de incesto protegido por uma maldição de mil anos.
- KATERINA! Será que você não aprendeu nada?
Kat balançou a cabeça enquanto Deyah desistia do corpo e andava até ela. Kat podia ver os olhos escuros faiscarem. Ela sabia que estava mexendo com muitas coisas que um vampiro romeno detestava e que para a maioria dos vampiros do grupo de Deyah ela era menos até que um humano, já que seu sangue não era consumível. Mas Deyah era diferente: viu uma oportunidade em Kat.
- Certo. Eu ajudo você. Mas vamos sair da Romênia primeiro.

Viena
15 de novembro de 1880
Narração de Pierre
Eu consegui sutilmente espalhar o boato de que havia um nobre estrangeiro de um país qualquer na antiga casa do Conde sei-lá-do-quê e essa história chegou até os ouvidos da Imperatriz Sissi que enviou um convite para mim e minha querida irmãzinha - sim, porque eu já parecia alguns anos mais velho que minha mãe - Ellie jantarmos em Schönbrunn.
Ellie furou o dedo com um dos broches enquanto me vestia para o jantar e precisou pegar um pano para estancar o sangue até a próxima vez que se alimentasse. Isso feito, ela terminou de me arrumar e começou a lição sobre a família real austríaca.
- Nome do Imperador.
- Franz Joseph (Francisco José)
- Imperatriz.
- Elizabeth (Isabel), carinhosamente apelidada de Sissi.
- Mas você só pode chamar ela assim se receber permissão do Imperador. Mesmo que ela diga que você pode...
- Eu não sou idiota, Ellie.
Ellie revirou os olhos e foi até um espelho ajeitar seu próprio vestido simples – como iria se aproximar das damas de companhia, não queria usar nada sofisticado – continuando as perguntas, sem olhar para mim.
- Os arquiduques.
- Sua Alteza Real Rudolf (Rudolfo), o herdeiro. Arquiduquesa Gisela, princesa da Bavária, com seus filhos Elizabeth, Auguste e o bebê Georg. E arquiduquesa Marie Valerie (Maria Valeria), a garota que eu devo conquistar.
Quando terminei, Ellie se virou. Ficou me observando, esperando pelo que eu estava prestes a dizer.
- Como eu vou conquistar uma garota de 12 anos, Ellie?
Ela olhou meu rosto infeliz com reprovação.
- Garotas de 12 anos podem perfeitamente serem mulheres, Pierre.
Eu levei um tempo para entender o que ela queria dizer, mas quando entendi me senti enjoado. Fui até a janela mais próxima e coloquei o rosto para fora para tomar ar fresco. Quando me virei outra vez, Ellie estava bem atrás de mim, me encarando com um daqueles seus olhares de gelar os ossos.
- Kat está testando você. Ela quer ter certeza de que você vai ser fiel e cumprir suas obrigações no Exército. Se você quer permanecer conosco, não pode ter medo, ou nojo, ou sei lá mais que outro sentimento você se permite ter.
Foi a primeira vez que alguém se referiu a nosso grupo de quatro como Exército. Eu não queria fazer parte de um exército. Deveríamos ser uma família. Era tudo culpa da maldita Deyah.
- Eu vou fazer o que Kat quer que eu faça. Seja lá porque ela quer.
Ellie se virou e foi pegar o relicário e a sombrinha em cima da sua cadeira para podermos ir ao jantar.
- É uma princesa da Áustria. Ter ela no time provaria alguma coisa.
Dei o braço a ela, para sairmos.
- Você nunca questiona os planos de Kat.
Ellie parou de repente e por meio segundo pareceu que ia dizer um mar de coisas. Mas simplesmente balançou a cabeça.
- Eu sou a única do grupo que tem sangue em comum com você, Pierre. Não vou deixar que você traia o meu sangue.

Em uma estrada na Hungria
1874
Ellie e Kat andavam na frente do grupo, procurando pela casa enquanto Sophie e Deyah conversavam animadamente atrás e Pierre caminhava no meio, carrancudo.
- A mansão fica aqui perto. – Kat disse para Ellie observando a mudança das árvores.
Ellie assentiu.
- Por que a chamam de Casa da Morte?
- Por que foi um dos lugares onde houve uma batalha que a Morte venceu.
- E por que um monte de Criaturas Infernais está indo para lá?
Kat suspirou, e lançou um olhar para trás antes de responder.
- Eu sei que você não entende, mas eu realmente confio em Deyah. Você pode confiar em mim?
- Eu sempre faço isso Kat. E eu ainda não sei o porquê.
- Porque você sabe que eu morreria antes de deixar você morrer.
- Muito altruísta para uma vampira. – Disse, mas sabia que era verdade - Eu só espero que um dia eu possa entender esse bem maior que você está procurando.
- Talvez seja o mal maior.
Ellie não respondeu a isso, só levantou a cabeça e encarou sua frente fazendo com que Kat fizesse o mesmo. Foi recebida por uma estrutura monumental de um antigo castelo que tinha no mínimo mil anos e caía aos pedaços. Era a imagem da instabilidade, apesar de certamente ter sido uma habitação maravilhosamente construída há bastante tempo. A mensagem que ela passava era a mesma que a Morte não parava de repetir: TUDO É FINITO. TUDO É MORTAL.
Bem, quase tudo.
- Aqui estamos. – Deyah disse quando os cinco finalmente se alinharam em frente à casa – Vamos falar com a Morte.

Ainda a anotação de 15 de novembro de 1880 no diário de Kat
- Você não mataria alguém que está protegida pela sua própria Morte.
A reação de Jocelyn foi exatamente o que eu esperava: descrença total na minha capacidade de fazer qualquer coisa. Justo ela, que tinha me preparado para ser a melhor.
Tecnicamente Sophie deveria entrar nesse momento, a um sinal que eu daria, mas eu resolvi ver até onde isso levava.
- Você me subestima, mamãe. Como sempre.
- Eu conheço você, Katerina. Eu criei você. Sei o que você sabe.
- Mãe, nós não nos falamos direito há 16 anos, desde que você fez aquelas ameaças para que eu ajudasse tio Julian, lembra? Você acha mesmo que eu já não aprendi muitas coisas? Muitas formas de me defender? Você não me conhece nem um pouco, Jocelyn.
O simples fato de eu dizer o nome dela desmontou parte da máscara de poder que ela exibia. Então Sophie entrou.
- Resumo rápido dos últimos 16 anos: Batizei uma garota e ela morreu ao dar a luz a um bebê meio demônio. Viajamos pela França criando o garoto. Transformei o fruto de um incesto. Fui amaldiçoada. Voltei a Romênia. Uni reforços. Morei por 5 anos na Casa da Morte. Refiz minhas ligações com a própria Morte. Fiz uma promessa. Comecei uma rebelião. Meu grupo virou um exército.
O olhar de minha mãe se fixou em Sophie. Sophie olhou de volta de uma forma brincalhona, como se estivesse se divertindo muito com tudo.
- E qual das duas é essa? – O desdém na forma como ela disse duas, só mostraram quanto patética ela é.
- A que não pode ser tocada por demônios. – Sophie quem respondeu, sorrindo – E não se importaria em drenar sangue de corpos fechados.
- O fruto de incesto nojento.
Ela disse isso sibilando, mas Sophie não se importaria nem se pudesse. Eu adorava o que via, mas já estava na hora de colocar meus planos em ação.
- Mamãe, não acho que você entendeu o que vai acontecer. Eu me associei com a Morte. Eu não trabalho mais para o Inferno. Quebrei seu acordo. Você pode e deve morrer.
- É isso que você vai fazer? Usar sua vampirinha para me matar?
- Isso seria bem piedoso não é? Pena que eu não fui apresentada para esse sentimento quando podia sentir.
- O que você vai fazer Katerina?
- Por que não esperamos a meia noite? Enquanto isso, creio que Sophie esteja com um pouquinho de sede.

Casa da Morte, Hungria
1875
- Eu acho que Pierre não gosta de mim. – Deyah disse se sentando ao lado de Kat, que estava sentada na janela observando a lua.
- Ele tem muitos sentimentos.
A forma como Kat colocou um tom de nojo dessas palavras – como sempre fazia – fez Deyah sorrir, até ela perceber o olhar de Kat.
- Por que tanta apreensão?
Kat se virou.
- Já é noite de lua cheia?
- Pensei que você soubesse quando é noite de lua cheia.
- Eu esperava estar errada.
Deyah encarou as árvores, pensativa. Ela havia conseguido oferecer um sacrifício qualquer à Morte que as permitisse entrar em sua Casa. A Morte exigiu algumas semanas de purificação da parte de Kat, o que significou ficar sem sangue. Não era nada fácil abandonar o Inferno. Deyah acompanhou tudo a distância, absorvendo conhecimentos.
- Por que você está tão ansiosa para se livrar da maldição? – Resolveu perguntar de vez.
Kat encarou os olhos escuros da vampira e ergueu a sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia.
- Quer dizer, por que você quer tanto assim poder criar vampiros outra vez? Qual é o ponto disso tudo?
Dessa vez, Kat ponderou.
- Reproduzir é um dos mandamentos aos vampiros. Um dos princípios de quem somos.
- Eu acho que não, Kat. Um mandamento serve para forçar alguém a ir contra sua natureza. Para que sejam mantidos sob controle. – Kat seguiu com os olhos bem abertos, incitando Deyah a continuar: – Pense nos dez mandamentos: vá contra a sua natureza humana maldita, não peque e conquiste um lugar no céu. Os mandamentos dos vampiros são ordens para cumprirmos, para conseguirmos a valorização no Inferno, seja lá o que isso signifique.
- E seu ponto é...?
- O que aconteceria se nós liberássemos nossa verdadeira natureza? Quer dizer, não se sentir compelido a destruir, reproduzir, multiplicar. Apenas ingerir quanto sangue quisesse e sei lá, viver?
- Não podemos simplesmente viver. Nós estamos mortas, Deyah.
Deyah pulou da janela, voltando para o interior da casa.
- Estamos mesmo, Kat? Achei que morrer envolvia a Morte.
Então ela saiu, fazendo barulho no corredor de madeira podre, deixando Kat sozinha com os próprios pensamentos.

Viena
15 de novembro de 1880
Narração de Pierre
No castelo, fomos recebidos apenas pelo Imperador e a princesinha, com suas damas de companhia – Anika e Suzanne, pelo que Kat sabia - os demais estando já na sala de jantar.
- Lamentamos o atraso, Majestade, mas acabamos de chegar a Viena e foi difícil encontrar carruagens ou automóveis. – Ellie disse com uma mesura suave.
Eu repeti o gesto, a reverência, e quando levantei os olhos algo no olhar do imperador me fez perceber que ele não gostou nada de ter sido cumprimentado por uma mulher. Então, num ato de bravura, tomei a palavra, em um alemão impecável.
- Mein Name ist Pierre Petrie. Baron Noville in Frankreich. Und das ist meine Schwester Eleanor. Wir fühlen uns gesegnet durch so edle Einladung, und hoffen, dass sie eines Tages zurückkehren.³ (Me chamo Pierre Petrie. Barão de Noville na França. E essa é minha irmã Eleanor. Nos sentimos agraciados por tão nobre convite e esperamos poder retribuí-lo um dia.)
Apesar da minha habilidade em misturar as histórias de Sophie e a da própria Ellie e usar o sobrenome Petrie, forma afrancesada do sobrenome de Kat (Usado pelo meu “avô”, irmão da mãe de Kat) Ellie soltou uma espécie de sibilo atrás de mim. Eu resolvi a ignorar e seguir meus instintos.
O Imperador abriu um sorriso sutil, os olhos verdes com uma expressão suave.
- Jamais deixaria de atender pedido tão gentil de minha querida imperatriz. Apresentar tão gentil jovem a corte austríaca será um prazer. E digo o mesmo sobre a menina.
Dessa vez, me virei para Ellie e a encontrei sorrindo. Segui seu olhar até a princesinha calada ao lado do pai, com os olhos baixos.
- E esta é minha querida Marie Valerie.
Valerie finalmente se atreveu olhar para nós. O olhar petulante dela passou por meu rosto bem rápido, e se fixou no de Ellie. Isso foi ótimo porque deu a chance de que eu olhasse bem para ela.
Foi com uma surpresa feliz que eu percebi que não havia nada de infantil em Valerie. Ela parecia uma mulher inteira, alta, bela e com um olhar vivo. Lembrava Kat e ao mesmo tempo não lembrava Kat nem um pouco. Ela mesma fez uma mesura, à qual eu e Ellie retribuímos como um espelho.
- Vamos ao jantar então. – O imperador disse finalmente indicando a sala de jantar.
A família real foi à frente, deixando-me com Ellie a alguns passos de distância.
- França? – Ellie disse me dando um tapa no ombro – E quanto ao que Kat disse?
- Eu disse a Kat para confiar em mim.
Ellie simplesmente me deu outro tapa, balançou a cabeça e suspirou.

Casa da Morte
1976
Como Sophie era a única bruxa dos cinco além de Kat e Deyah, que não queria mais se desenvolver naquilo, foi ela quem desenhou o padrão em volta do corpo da vampira, vestida de branco dos pés à cabeça.
- Me sinto imaculada outra vez. – Kat sussurrou com um sorriso quando Sophie terminou o trabalho.
- Com exceção de cerca de duas mil mortes. – Ellie disse de um canto escuro.
- Cinco mil, se você contar as mortes antes de conhecer você. – Kat respondeu de volta risonha.
Foi só no ano novo que a lua cheia ideal apareceu era a hora de uma Danse.
- Kat, sabe o que dizer? – Deyah perguntou, com um tom sério.
Kat se sentia confiante, se sentia tirando um peso das costas.
- Sim, Deyah, você deixou tudo bem claro.
- Certo. Vamos lá para dentro nós três.
Sophie seguiu Deyah de volta para a Casa da Morte - Pierre tinha ido levar a bruxa que usaram para enfeitiçar o jardim de volta à cidade - mas Ellie ficou para trás.
- Você tem certeza de que quer fazer isso?
- Absoluta. Eu não vejo forma melhor.
- Kat, isso é muito sério. Algo que vai mudar tudo daqui para frente, não só para você, mas para o resto de nós.
Kat olhou bem nos olhos azuis da vampira, tentando entender.
- Você não quer que eu faça isso?
- Não cabe a mim escolher. Mas isso é algo contra tudo que eu sempre acreditei sobre vampiros. É um golpe de fé. Um pulo no escuro. Meu lado prático diz que é melhor não mexer com isso.
- Você é completamente prática, Ellie. Você quer manter todos seguros. Quer que o grupo permaneça inteiro.
- E o que há de errado nisso?
- Nada. Cada um no grupo tem sua característica e isso faz de nós o que somos. Só que um dia você mesma disse que nós somos vampiros. Demônios sem alma. Não temos nada a perder.
Ellie fez uma careta.
- Isso se aplica a coisas menos perigosas.
Kat soltou uma risadinha.
- Eu sou uma sugadora de sangue maldita, cujo próprio sangue está amaldiçoado. De verdade, Ellie, o que eu tenho a perder?
Ellie finalmente se deu por vencida.
- Tome cuidado.
Kat sorriu.
- Não existe força no mundo que me separe de você.
Ellie não respondeu, simplesmente se virou e voltou para casa, e foi nesse momento que a lua cheia chegou a seu ponto mais brilhante.
A Morte tem milhares de faces, variando da mais horrível à mais bela, dependendo de como a pessoa a encara. Para Kat, ela apareceu como sua mãe. Definitivamente era naquele corpo que Kat via a Morte.
- Olá, Katerina. – Disse a voz sibilante que não pertencia a Jocelyn por trás do sorriso de dentes perfeitos. – Vejo que veio acertar as contas.
Kat estava pronta para falar, mas em vez disso somente arregalou os olhos. Os guardas da Morte estavam surgindo de trás das árvores com estalos audíveis de seus ossos em decomposição. A reação de Kat fez a Morte sorrir.
- É bom ver que sou temida pela filha da mulher que enganou a Morte.
- Eu não tenho medo de você. – Kat respondeu, tentando se recompor, mas soando como uma criancinha.
A Morte deu alguns passos à frente, ordenando a seus esqueletos que ficassem para trás.
- Ah não? E por que não?
- Porque eu não posso sentir.
Foi a vez da Morte se surpreender.
- E por que não pode sentir, querida?
Kat franziu a testa.
- Porque vampiros não tem alma.
O olhar de choque da Morte só durou mais alguns segundos, antes que ela explodisse em uma risada aguda e alta que fez os esqueletos tremerem e reluzirem e pareceu ter matado algumas árvores em volta deles.
- É isso que eles dizem para mantê-los sobre controle? Que vampiros não tem alma?
- Qual a graça? – Kat perguntou com a voz mais forte que conseguiu fazer. Ela tinha cometido um erro de principiante. Acreditado que estava pronta para qualquer coisa e sendo surpreendida por uma força maior que ela. Kat se sentiu inútil, frustrada, pega no pulo.
A Morte apenas a observou, os olhos Petry escuros que pertenciam à sua mãe percorrendo seu rosto.
- Há muito que você ainda precisa descobrir na vida como vampira, Katerina. Isso te deixa desconfortável? Sim, é uma vida. Você pensa, não pensa? Não é como os corpos em movimento aqui atrás. Tem sangue correndo em você, certo? Sangue é vida. Tem vida em você. Você mesma disse que não pertence a mim.
Kat sentia um arrepio, enquanto calculava o que a Morte dizia.
- Eu sei o que você quer... Afinal, fui eu mesma quem a amaldiçoou aquela noite. – Ela continuou com um tom suave – E você sabe que esse tipo de negociação existe um valor alto de troca. – Kat concordou, com um balançar de cabeça – Não posso deixar de cumprir minha promessa a mil bruxas, mas você sempre pode se redimir de seu pequeno crime. Eu quero você.
A frase fez Kat cair no chão quebrando o feitiço no desenho. Com um sorriso, a Morte fez dois de seus guardas pegarem a vampirinha pelos braços e colocarem bem à sua frente, colocando seu rosto e o da Morte frente a frente.
- Você me teme, Katerina, então, de alguma forma, sabe que tem sentimentos. Sentimentos demais para a sua própria segurança. Mas de minha parte não há nada a temer. Eu não mudaria seu estado de renascida, quando você pode fazer tanto por mim. E é claro, suas vampiras também. Então preciso que deixe seu trabalho no Inferno e jure fidelidade à Morte.
Era o que Kat queria, o que Deyah havia sugerido que ela fizesse. Mas depois dessa noite, Kat não tinha mais tanta certeza se queria deixar a servidão em troca da vassalaria.
- Você acha que não vale a pena? Encara a morte como algo mau? Por isso enxerga a sua mãe não é? Katerina, não há mal nem bem na Morte. Ela pode vir da forma mais cruel e macabra ou da forma mais doce e romântica, tudo depende de como ela é encarada. Morrer não é ruim, é só certo. Ter medo da Morte é como ter medo do ar. Não tenha medo Katerina, porque tudo que eu tenho para lhe oferecer é liberdade.
Kat estava ofegante. Tudo que era jogado em seu rosto a deixou se sentindo ainda pior do que a noite que morreu. E foi por isso que ela escolheu aceitar as palavras da Morte.
- Me diga o que eu preciso fazer.
A Morte sorriu. Os ossos atrás dela se desfizeram, dando à floresta um tom calmo e sereno.
- Você sabe muito bem o que sela uma aliança com a Morte.
Kat realmente já sabia, mas ainda assim, quando a imagem à sua frente desapareceu, juntamente com a luz da lua, ela pode ouvir um sussurro gelado.
Sacrifício.

Graz
20 de novembro de 1880
Diário de Kat
Eu estava sentada na cozinha limpando com água fervente uma das adagas usadas pelas Petry que ficavam na biblioteca, quando Sophie finalmente voltou de Viena.
- Cartas para você! – Cantarolou me atirando os envelopes - Ellie não quis me revelar o que tem nelas, então nem pergunte.
Eu sorri para a alegria dela.
- Oi para você também, Sophie.
- Eu estou além dessas frivolidades de saudações, Kat. Eu sou uma alta dama da sociedade austríaca.
- Sophie! O que você fez?
- Fui com Pierre e Ellie para outro jantar, oras. E fui apresentada como a prima deles. Aparentemente eu acabei de perder meu pai, Frederic Petrie, filho do primeiro barão de Noville (E isso é quão criativo Pierre foi) e por isso vim morar na Áustria com meu querido primo e herdeiro. De uma forma ou de outra, Rudolf caiu de amores por mim. Nada intenso, mas diga-me que posso transformá-lo, por favor!
A essa altura Sophie já tinha me puxado da cadeira e me feito girar com ela pela cozinha mesmo que ainda eu estivesse segurando uma adaga. Eu adorava ver o ânimo dela, e sem poder contar-lhe meus planos reais, tudo que eu disse foi:
- Tudo isso para transformá-lo em seu bonequinho?
- Naturalmente! Ele não pode fazer parte do Exército, mas vale a pena ter ele pelo menor tempo que for. – Ela respondeu com um sorriso radiante que me fez rir.
- Ok, princesa Sophie, mas eu preciso lembrar que você tem obrigações mais importantes aqui.
Sophie parou sua dança e olhou em direção ao quarto em que minha mãe estava presa.
- Ela acordou?
- Não. Aquelas ervas funcionaram mesmo.
- Eu sou especialista em fugir de mães, Kat. E quanto à corte vienense não será um problema. Consultei o calendário lunar, a lua cheia já é amanhã. – Ela nem esperou por uma reação, simplesmente se virou e foi até o quarto de minha mãe com uma expressão estranha.
Aproveitei para ler a carta de Ellie. Ou melhor, o bilhete. Lá dentro, apenas cinco palavras que não me surpreenderam de forma nenhuma: Volte. Anika já sabe de tudo.

22 de novembro de 1880
Diário de Kat
Estamos a caminho de Viena agora, de trem. Sophie cochila enquanto eu remoo o que aconteceu na noite passada.
Mais ou menos às 6 da tarde, quando a lua já começava a surgir, eu e Sophie entramos em uma discussão sobre o feitiço necessário para o sacrifício. Nós duas somos vampiras, então deixamos de ser bruxas, mas precisávamos dar um jeito em menos de 6 horas.
Acabei me lembrando de algo que a Morte disse: eu estou viva. Talvez a floresta me reconhecesse. Eu nunca tinha tentado porque achava que não iria funcionar. Mas dessa vez eu tentei. Evoquei os mesmos espíritos que conversavam comigo o tempo todo - ecos ou filhos da Morte como Deyah me ensinou a chamar, já que almas sozinhas não permanecem na Terra – e implorei por ajuda. Mas não fui respondida. Sophie tentou a mesma coisa, com o mesmo resultado. Então ouvimos um grito abafado em casa e corremos lá para dentro.
Minha mãe – finalmente acordada depois de dias – usava um espelho para cortar o próprio pescoço e se matar antes da hora. Sophie correu até ela e a impediu segurando pelos braços.
- Eu não vou ser seu sacrifício! – Ela gritou tentando se soltar do braço de Sophie e cuspir em mim. Mas eu me afastei graciosamente fazendo com que o cuspe cheio de sangue caísse no chão do quarto.
- Engraçado você dizer isso como se tivesse opções, mamãe.
Ela fez um esforço para se soltar de novo, mas Sophie a prendia com firmeza e sem comer há alguns dias, ela estava fraca demais para isso.
- Sua vampirinha nojenta.
Isso fez meu coração vibrar. Disparar, Katerina, disse uma vozinha em minha cabeça que soava como a Morte, você está com raiva.
- QUAL A SURPRESA? EU SOU O QUE VOCÊ ME TRANSFORMOU, O QUE VOCÊ FEZ DE MIM! E NÃO DIGA VAMPIRINHA COMO SE FOSSE ALGO DESPREZÍVEL. SE SER BRUXA É O QUE VOCÊ É EU PREFIRO VIVER O RESTO DOS MEUS DIAS A BASE DE SANGUE!
Mas assim que eu terminei de gritar isso, meu olhar cruzou com o de Sophie. Nós tínhamos uma bruxa bem em nossas mãos. Sorrimos uma para a outra e levamos a criatura à frente da cabana. Enquanto Sophie segurava minha mãe que ainda lutava, eu peguei uma pedra e desenhei um círculo perfeito no chão.
- Faça o feitiço. – Eu disse me aproximando de mamãe com um sorriso doce e irônico.
Jocelyn ficou chocada.
- O que?
- Faça o maldito feitiço.
- O que faz você pensar que eu vou fazer o feitiço que vai selar minha própria morte?
Meu sorriso se tornou feroz.
- Simples, porque até que você o faça você não pode morrer. E existem muitas, muitas formas de torturas que podem durar uma eternidade e fazer da sua vida algo pior do que o Inferno do qual você tanto tenta fugir.
Ela abaixou a cabeça e respirou fundo antes de começar a dizer as palavras. Eu fui até a casa pegar a adaga e quando voltei já encontrei minha mãe deitada no círculo com os braços abertos. Entreguei a adaga para Sophie.
- Você faz os cortes.
- Por que?
- Porque você não pode morrer e minha proteção acaba assim que eu atacá-la, Sophie. Eu deixo de ser um sacrifício maldito e me torno uma simples vampira.
Sophie jogou os cabelos para as costas e pegou a adaga. Ela conhecia os desenhos. Toda bruxa conhece os desenhos. Os lugares certos onde você corta alguém para fazer com que cada gota de sangue saia do corpo. Em poucos minutos a floresta inteira parecia impregnada com o cheiro do sangue. Eu senti uma espécie de êxtase enquanto via a mancha maior de sangue em cima da mancha antiga que meu sangue havia deixado. Ela sangrava e em breve estaria tão fraca que suas veias queimariam ao pulsar, mas não deixaria de viver até que a Morte viesse reclamá-la. Era isso que o feitiço garantia.
Sophie parecia enjoada. Ou sedenta, não saberia dizer.
- Nós precisamos ficar? – Perguntou cruzando os braços.
- Ela fez o feitiço direito?
- Até onde eu sei, sim.
- Mas ainda assim, eu preciso ficar, Sophie. Eu preciso vê-la ser sugada para dentro da terra. É a minha vingança final, a última coisa que preciso fazer.
Sophie mordeu o interior da bochecha, pensando um pouco antes de dizer:
- Kat, eu matei minha mãe. E mesmo gostando de saber que ela queimava, não fiquei para vê-la sofrer.
- É diferente.
- Mas eu estou com tanta sede.
Eu suspirei.
- Vá para Graz. Providencie uma passagem de trem para Viena. Partiremos amanhã cedo.
Ela abriu um sorriso luminoso e simplesmente sumiu, correndo entre as árvores. Eu subi em uma dessas árvores e permaneci lá pelas 3 horas seguintes, vendo mamãe agonizar, até que finalmente a meia noite chegou.
Os ossos de minhas antepassadas se levantavam. Os espíritos da floresta se revoltaram. Jocelyn soltou algo que com mais hidratação seria um grito, mas em um corpo quase sem sangue, não foi nada além de um grunhido. Eu sorri. A Morte se erguia, conformo os esqueletos se aproximaram do círculo com sua tradicional totentanz. Então os ossos finalmente chegaram ao círculo, como criaturas esfomeadas, mas assim que tocaram o furo na terra se partiram e voltaram ao pó...
Prendi a respiração, a noite da minha transformação na cabeça. Com um alivio final, percebi que minha mãe não mais respirava.

Viena
30 de novembro de 1880
Narração de Pierre
Kat estava inquieta desde que voltara de Graz. Vivia aos cantos, aos sussurros com Ellie, o que me deixava irritado, já que Sophie – minha única companhia - só sabia falar do príncipe.
Pelo visto, não havia agradado à vampira o fato de que a Arquiduquesa Valerie ainda mostrava indiferença a meu respeito. E não adiantava nada dizer que eu tive pouco tempo. Ela é uma imortal sempre com pressa.
Naquela noite estavam todas em um tremendo caos graças ao baile no castelo. Falavam de vestido como garotas humanas fúteis. Queria tanto deixar a Áustria, ir para um lugar mais selvagem onde elas voltariam a ser as garotas que me criaram. Eu pensava que se passasse mais um mês ali, aceitaria a proposta de papai.
Meu pai entrara em contato comigo há 7 anos. Meu pai real. O íncubo. Ele precisava que eu servisse a ele e me tornasse quase príncipe um dia. Eu vinha negado por puro respeito a Kat, mas estava perdendo aquilo.
Era hora de partir.

Graz
1º de janeiro de 1881
Diário de Kat
Percebi que abandonei minhas anotações por mais de um mês. Perdi a vontade de escrever, mas vejo que é necessário, já que talvez, em um dia que eu volte a achar essencial anotar minha vida em papel, as coisas já tenham mudado drasticamente.
No dia 30 de novembro, tivemos um baile em Schönbrunn que levou todas as famílias nobres da cidade ao schloss e Pierre, Ellie e Sophie, naturalmente foram convidados. Eu resolvi entrar como penetra apenas por segurança.
Ellie e eu tínhamos passado os últimos dias discutindo sobre Anika. No momento em que eu coloquei os olhos na garotinha, dama de companhia da arquiduquesa, eu sabia o que estava vendo. Anika é descendente de Deyah. Vinda da filha que ela teve anos antes de se transformar. A mesma descendente que Deyah pediu para que eu transformasse e pusesse no meu grupo antes de morrer.
Como bruxa - e mais importante: uma bruxa católica - Anika não precisava de muito treinamento para entender que estava lidando com um demônio em Schönbrunn. E foi isso que ela disse para Valerie e isso que fez com que a arquiduquesa se afastasse de Pierre. Anika fez exatamente o que eu esperava. E aquela era a noite de fazer o que esperavam de mim.
No meio da noite, pedi que Ellie levasse Anika para o jardim de alguma forma e deixando Sophie em uma dança, segui as duas. No meio do caminho me vi sendo seguida por Pierre.
- O que você quer, Pierre?
- O que você vai fazer?
- Transformar alguém.
Ele ficou em silêncio por alguns minutos.
- Então seu sangue está mesmo curado?
- Claro que sim, porque não estaria? Eu fiz o sacrifício.
Ele não respondeu. Seguimos até o jardim e encontramos Ellie e Anika sentadas em um banco em uma conversa doce.
- Oi, Anika. – Eu disse sorrindo, como se já a conhecesse há muito tempo.
Anika ergueu os olhos em um misto de medo e compreensão.
- Você vai me transformar em vampira.
- Exatamente.
- E não há nada que eu possa fazer sobre isso?
- É isso mesmo.
- E por que?
- Porque eu prometi para alguém que transformaria você e porque eu preciso de provas de que consegui algo que venho buscando há muito tempo.
Anika balançou a cabeça. Pierre surgiu das sombras atrás de mim. Anika levantou 2 dedos por segurança. Pierre grunhiu.
- A quem você prometeu que transformaria isso?
Não me virei para ver sua face de dor.
- À antepassada dela. Deyah.
- DEYAH? Você vai transformar o filhote de Deyah?
- Qual a razão da revolta, Pierre? O que o faz pensar que pode opinar sobre minhas promessas? – Finalmente me virei para Pierre - Ah certo, foi você quem matou Deyah. Você queria garantir que os planos da Morte fossem frustrados.
O rosto de Pierre se contorceu, mas não de dor, de raiva. Ele via seu disfarce sendo destruído bem ali, e isso acabou com todo controle sobre seus demônios internos.
- EU SOU UM DEMÔNIO! O QUE VOCÊ QUERIA?! QUE EU COMPACTUASSE COM A MORTE?!
- QUE VOCÊ FOSSE FIEL A MIM! FUI EU QUEM GARANTI QUE VOCÊ VIVESSE PELOS ÚLTIMOS 16 ANOS.
- EU NÃO DEVO SATISFAÇÕES A SERES INFERIORES!
Nós dois gritávamos a plenos pulmões, mas os sons da festa faziam os sons parecerem sussurros.
- SERES INFERIORES? SERES INFERIORES?!! VOCÊ É PATÉTICO. – Ele começava a titubear, então respirei fundo: – Mas não importa. Porque os planos frustrados foram os seus! Eu fiz o sacrifício! Eu estou livre da maldição! E esse grupo agora tem uma aliança com a Morte!
Pierre – ao contrário de tudo que eu imaginava – sorriu. Eu o ignorei e entreguei sangue a Anika. Ao invés de engolir, ela começou a gritar, como se seus lábios tivessem tocado o ácido mais corrosivo de todos. Pierre então deu uma gargalhada cruel, o que fez eu me virar, enquanto Ellie simplesmente dava seu próprio sangue a Anika e a matava.
- Você enfureceu a Morte, Katerina. Não selou aliança nenhuma. Preste atenção, você sabe o que significa um sacrifício: algo valioso é dado em troca de outra coisa valiosa. Você perde algo. Você se sentiu bem com a morte da sua mãe e não é assim que alguém que sacrifica tem que se sentir. Para ser perdoada pela Morte você tem que sacrificar a pessoa da qual você sentiria mais falta.
Eu me virei para Ellie. Ela estava inclinada sobre o corpo de Anika, esperando. Ao ver meu olhar, Pierre riu outra vez.
- Ellie é a sua arma secreta afinal. – Sussurrou bobamente, alto o suficiente para que a própria Ellie ouvisse.
Então se virou para o castelo e sumiu nas sombras. Não é visto desde então.